domingo, 9 de janeiro de 2011

Madame Malta desvenda sua sorte!

Madame Malta desvenda sua sorte!

Um sol cálido varava a copa das árvores, e refletia no rosto de Joaquim que, qual estátua do laçador, mirava o longe, o nada...
- Um beijo pelos seus pensamentos! Diria Raquel, a razão da sua cisma.
Raquel..., sonho em forma de mulher! Tão doce, tão vivaz, cabelos negros como a noite, corpo exuberante, olhar cigano... , como não fraquejar?!
Joaquim, moço criado ao pé do altar, tinha no peito um dragão de São Jorge a queimar-lhe as entranhas. Bem conhecia os mandamentos da lei de Deus, e desejara, ah como desejara, a mulher do próximo! Cobiçara e tomara para si uma coisa alheia sem licença e sem piedade. Sim, não tivera piedade nem escrúpulos quando tomara em seus braços Raquel, a esposa do seu mais fiel amigo de infância. E isto se repetiu uma, duas, e muitas outras vezes, com uma assiduidade faminta qual busca pela cura de um mal sem fim.
Muitas vezes ouvira sua consciência a bradar que não era correto enganar o melhor amigo, menos ainda quando este se encontrava preso a uma cadeira de rodas, sonhos despedaçados, projetos adiados indefinidamente.
Bem que tentara descobrir se o amigo tinha alguma suspeita do que se passava entre eles, porém, seu semblante era intransponível e sua voz grave e calma nada denunciava. A recepção calorosa e o carinho para com a esposa pareciam imutáveis.  A única diferença estava na solicitação constante da presença de Raquel aos pés de Arthur.
- Faz de mim seus braços e suas pernas, argumentara Raquel.
Quem não deve não teme, mas este caso era o oposto.
Joaquim pensou, repensou e decidiu por fim a essa agonia, tomou o rumo da alameda sibipiruna, subiu a sete de setembro e enveredou pela Vila Santo Antônio. Parou em frente a uma casa de dois pisos, titubeou, mas a angustia impeliu-o escada acima. Bateu à porta e foi recebido por uma senhora grisalha, de pele macilenta, porém, de olhar perspicaz. Uma placa acima da porta anunciava: “Madame Malta desvenda sua sorte”!
A velha convidou-o a entrar e sentar-se diante de uma mesa baixa coberta por uma toalha rota estampada com estrelas brancas sobre um fundo azul. O sol que entrava pela janela iluminava apenas o rosto pálido e ansioso de Joaquim.
- Diga, meu filho, o que queres que as cartas te respondam?
- Eu quiria sabê de um causo que me aperreia!
Madame Malta toma do baralho, vira e revira as cartas entre os dedos longos e descarnados, abre um leque de três sobre a mesa e diz:
- As cartas revelam uma grande aflição?!
- Sim, Dona! É que eu me inrolei com a patroa do meu melhor amigo.
- Hum! Deixa-me ver..., e torna a escolher três cartas.
- Você gosta muito dela!
- Eu sô loco por ela mas tenho pena do Arthur que não pode mais andá.
- O valete diz que você se sente culpado por trair a confiança do seu melhor amigo.
- É isso mesmo, eu aprendi que não se deve mexê no que é dos outro mas a tentação foi maior.
O baralho volta a dançar entre os dedos lânguidos: - Você tem muitas dúvidas!
- Sim, será que ele desconfia? A cara não mostra nada, pode não sabê ou sabê e aceita! Era bom que ele aceitava!
Mais três cartas: - Rei, Rainha e Príncipe! Ora, vejam só!
- O que qué dizê?
- Quer dizer que o Rei sabe, mas deixa a Rainha para o Príncipe para não perder a majestade.
- Como?
- O seu amigo sabe de tudo, mas, prefere não demonstrar para não perder a companhia da esposa e nem a tua amizade.
- É mesmo?
- É, mas, faça de conta que tu não sabes de nada para deixá-lo contente.
- Madame, a sinhora me tiro um peso das costa! Quanto custa a consulta?
- Aqui o cliente é que faz o preço conforme a satisfação!
Aliviado e exultante com a revelação, Joaquim tira da carteira uma nota de cinquenta reais e entrega a velha que aceita sem deixar transparecer toda a sua satisfação, afinal, o preço usual era cinco reais.
Confiante, Joaquim retorna à sua casa cantarolando “volare...”
Ao abrir a porta escuta o chamado insistente do telefone. Atende e reconhece a voz de Arthur, calma e grave, que pede ajuda para fazer uma carneação.
Sem titubear, Joaquim segue para a casa do amigo. Lá chegando é recebido por Arthur que traz, na mão, uma faca ensanguentada tanto quanto as suas roupas.
- Já começô? Pergunta Joaquim.
- Sim, responde Arthur. –Primeiro foi a Raquel, agora é você!

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